domingo, junho 12, 2011

Nostalgia de papel

Me dei conta - hoje - e não sei porque hoje de que adoro cartas e sinto falta delas. Sei que as últimas que escrevi foram escritas este ano. Sei quem são suas destinatárias, sei também que provavelmente noventa por cento delas não será enviada. Sempre quis saber se é possível enviar cartas sem rementente ou se isso só acontece nos romances. Mas, o que fazer? Ir nos correios e perguntar:
- Moço, posso mandar uma carta sem rementente? Sabe o que é, é uma surpresa. Nada demais. Uns dois livros e uma carta. Não tem nenhuma bomba.
Então pensei que não devo mencionar a palavra 'bomba' em locais fazem transporte de cartas e outras coisas. Provavelmente abririam a minha correspondência por considerá-la sob suspeita. E achariam livros e uma carta humilhante e patética.
Só sei escrever cartas assim: humilhantes e patéticas.
Em algum momento da minha vida, escrevi cartas de amor lindíssimas. Hoje, com sorte, escrevo e-mails de amor lindíssimos. Mas isso não prende ninguém ao meu lado e não há e-mails para escrever. Eu também costumava escrever agradecendo a presença de certas pessoas na minha vida. Mas, relendo alguma dessas cartas, percebo como são piegas, de mau gosto, sem o menor traço de refinamento. São quase cartas de um romantismo brasileiro pra lá de tardio que não tem sequer um refinamento pitoresco de um Alencar. Lamentável. A verdade por trá destas cartas era: obrigada por continuar aqui.
Curiosamente - ou não - duas das pessoas que costumavam ser destinatários frequentes destas cartas nunca enviadas, ainda são meus amigos. Ainda me consideram muito, ainda não se assustaram.
Outras dessas cartas de amizade têm como destinatário pessoas com as quais não falo mais. Talvez eu devesse queimar estas cartas mas elas são o testemunho da minha burrice. Burrice maior seria me livrar delas e esquecer. Há desilusões que não se pode esquecer e sim, internalizar e ter o cuidado extremo de não repeti-las nunca, nunca mais.
Sinto falta das cartas que não me chegam, dos e-mails que não me escrevem. Fico olhando estes papéis de fichário cheio de desenhos infantis, papéis de carta e muitos envelopes coloridos. Sinto nostalgia das cartas nunca escritas.
Quando, por um acaso escrevo uma carta, ainda uso - na maior parte das vezes, um envelope colorido. Quero deixar marcado que é minha, quero deixar rastros de cores nas gavetas, pastas, caixas alheias.
Outra coisa que me dei conta, é de que havia adquirido o costume de escrever para os outros em papel de seda, com a minha letra cursiva. Fernandinha havia me dito que a minha letra cursiva - bonita e incompreensível - serve apenas para afastar as pessoas. É assim mesmo comigo: bonito de longe. Incompreensível de perto e as pessoas desistem. Muito esforço para algo que, nem é tão importante assim.
Sinto falta das letras que não saem mais das minhas mãos e nem da minha máquina de escrever, aposentada temporariamente, acumulando poeiras, a fita sem tinta, minhas digitais impressas nas teclas.
Eu sinto falta desta proximidade distante das cartas e do afeto, mesmo do afeto velado e negado em cartas de ódio, que são cartas de pessoas que são afetadas, se importam de alguma maneira. Eu sei que parece não fazer o menor sentindo mas, no fundo, no fundo, até que faz.
Para fechar a nostalgia epistolar, uma das ridículas cartas de Fernando Pessoa. E eram todas muito ridículas mas, se não fossem, não seriam cartas de amor.

" Bom dia, Bébé: gosta de mim exactamente? Não venho do Abel, mas devia ter vindo; e, em todo o caso o Bébé tambem tem influencias no estylo do Abel. Tem influencias a distancia, mas ao collo (situação muito natural nos bébés) ainda tem mais. E o Abel tem aguardente doce, mas a bocca do Bébé é doce e talvez um pouco ardente, mas assim está bem. Gosta de mim? Porquê? Sim?
Estou doido e não posso escrever uma carta: sei apenas escrever asneiras. Se me pudesse dar um beijo, dava? Então porque não dá? Má. A verdade é que o dia de hoje se embrulhou de tal maneira, que mal tenho tempo de lhe escrever mal este pouco de tempo. Vespa.
Tenho que ir a fugir para a casa para jantar cerca das 8 e ir depois a casa d´aquelle meu amigo onde costumo jantar aos sabbados. Hoje, é ir lá um pouco á noite, depois do jantar. Fera.
E acabei, e prompto. Dá-me a boquinha para comer?
Fernando
(2/10/1929)"

Um comentário:

Bruna Maria disse...

Durante um tempo, tive o hábito de escrever cartas, mas elas eram todas informais, trocavam informações, apenas. (Isso foi na adolescência.) Depois, mais tarde, caí na tentação de escrever uma carta mais simbólica, mais pessoal, e gastei algumas horas de alguns dias fazendo isso. Teria sido quase uma ficção se eu tivesse investido nela. Mas, por algum motivo, desisti e agradeço aos céus isso; não aguentaria conviver com o envio da mesma, porque era algo bem piegas e... sei lá, desnecessário.

"Estou doido e não posso escrever uma carta: sei apenas escrever asneiras."

Li algumas dessas cartas de Pessoa e reconheci ali o homem, tão igual a todos nós. São realmente esquisitas. Mas a intenção, até onde sei, nunca foi ser senão uma carta pessoal, para alguém, fisicamente. Por isso, até entendo; já estive próxima disso, rs. =)