Não fora um dia bom. Essencialmente porque, mais uma vez, com em todo mês, ela repelira uma criança que nunca nascerá. Ao acordar, atrasada, olhou-se no espelho grande da sala e levantou a camisa que usara na noite anterior e com a qual dormira. Liso. Tudo liso, nenhuma saliência a não ser aquela cicatriz do piercing de ouro branco que não existe mais. Era sempre assim, uns segundos antes da dor, ela ficava com o corpo mais lindo do mundo e para ela, isso só servia para reafirmar o quanto estava certa de uma decisão tomada anos atrás, quando ainda era criança.
Então, como que por castigo, por ter nascido mulher e fértil e nunca querer dar a luz e não ser mais que um desperdício de óvulos e sêmen alheio, vinha a dor. Para ela, a metáfora perfeita era dizer que era como se alguém de unhas muito longas estivesse lhe aranhando por dentro, arrancando pedaços a unhadas com raiva, como numa briga de animais. E a dor de cabeça, às vezes febre.
E ela deitava chorando: eu não te quero, filho, eu não te quero. Mas por favor, não me faça (mais) mal.
Ela sempre pensara que, um dia, seriam todos estes filhos nunca nascidos que a matariam.
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