sábado, dezembro 20, 2008

Velhice

" Tenho recordações como quem tem mil anos"

Baudelaire


O avó do melhor amigo entra no quarto a falar comigo. Eu achando que fosse um discurso direcionado, que ele se lembrasse que era eu a de letras alemão,a que gosta de literatura, a que ele uma vez presenteou com fitas em alemão, a qu discute filosofia e ciências sociais com ele. Não,ele me confundia com outra menina, outra visita frequente do neto que traz mulheres pra dormir mas que dorme em outro quarto.

No entanto, nada deixou de fazer sentido. A não ser a parte em que eu tive que disfarçar as lágrimas teimantes.

Pois a primeira frase havia sido: O passado não conta mas nos marca.

Exatamente assim. Bela maneira de se iniciar uma conversa. A gente percebe que o que se segue é pesado, mas uma vez que palavras são ditas, ainda mais quando não foi você quem as disse, não se volta atrás.

E fim de namoro se tornou uma questão e então ele falava da namorada que teve em 1969, em Nova York. Ele dizia que ela era livre,um passarinho inconsequente, encantador. Pensei que só havia pensado que tinha asas quando criança e era criativa e inconsequente, não sei se o fui, algum dia.

As lágrimas.

E então, a indelicadeza de perguntar quem tinha sido rejeitado. E uma grande reflexão da rejeição e seus efeitos pra quem rejeitou. Lágrimas.

Resolvi dormir... Alguém que se comove com o cabelo que sobra do cobertor. Talvez eu devesse vir aqui mais vezes.

Um comentário:

Bruna Maria disse...

É bom ser surpreendida assim, com uma conversa que sequer cogitamos, mas que bate fundo em algum lugar que ainda não está cicatrizado. Acho que costuma ajudar, quando a conversa não é muito invasiva. Quando é uma conversa que deixa alguns pensamentos a serem reformulados, por exemplo, que nos leva a considerar maneiras de enxergar as questões que estão nos matando. Agora, é difícil encontrar uma conversa dessa espécie. Com alguma sabedoria, sabedoria de vida mesmo, capaz de trazer lágrimas aos nossos olhos. É um achado, eu acho.