- Por quê você fez isso? Fica bem melhor do outro jeito. Por quê, por quê você fez isso?
Mesmo sobre os efeitos do álcool, ela parecia atônita com aquela nova imagem.
- Eu precisava.
- Eu gostava mais comprido.
- Pára, não se faz isso, não se fala para uma pessoa que acabou de cortar o cabelo que o antes era melhor.
- Não, deixa ela. Eu sei que eu fico melhor do outro jeito. Eu também me acho muito melhor de cabelo comprido.
E dirigindo-se a ela
- As vezes a gente precisa fazer estas coisas.
Só então ela entende. E começa a pensar, melancólicamente.
- É, eu sei. Aconteceu alguma coisa, então?
- Aconteceu.
E eles ficaram assim, mais uma vez, parados, um olhando para o outro. Esperando. Não se sabe quem há mais tempo. Como dissera ele uma vez (e nem sequer fora para ela), é complicado. Um espera a palavra que o outro nunca dá. No meio da noite, encontraram-se mais uma vez e ele segurou-a pela cintura. Era sempre assim, provocações que nunca estendiam-se nos seus limites. A impressão que dava é que eles já gastaram toda a sua cota de sinceridade de movimentos e fazeres na primeira vez. Foram rápidos e irracionais, eram, num mesmo momento, pulsões incontroláveis que se encontraram num corredor, pequeno demais para que pudesse abarcar tamanhas vontades.
-Por que você fez isso, menina? - perguntara sua amiga. - Nunca vi tamanha grosseria. Ele nem te perguntou o que você achou. Como é que você joga opiniões assim para quem, talvez nem mesmo se disponha a ouvir?
- Ele é meu, embora nunca tenha sido. E ele é meu justamente por isso. É uma daquelas pessoas as quais possuo com uma posse desvairada, insandecida e só minha. A punhetagem emocional, à qual você vive se refererindo, a que eu tive tantas vezes, com tantos professores e professoras e que sempre fica pairando naquele estado platônico frustrante, se concretizou nele. Ele ultrapassou o lugar simbólico do professor e eu, de aluna, somos ambos transferências nossas. Eele é a representação real de todos aqueles abraços dos professores e professoras que sentiam em mim, um carisma magnético. Ele é a transposição de lugar e espaço. Entre nós, não haviam mesas nem carteiras. Ele foi as palavras que ninguém nunca me disse. Era uma briga. Um querendo se pôr acima do outro. Ele levou aos limites as fantasias que todos os outros, professores com menos de trinta anos demonstravam claramente em olhares não disfarçados e comentários, quando eu chegava, nos dias de sábado, da escola para o curso com aquela saia plissada e meias três quarto. E ele nunca nem me viu assim. Só de preto, e saias.Além do que, ele é, era, com os cabelos grandes que eu não poderia tocar, aquela coisa indefinida que me coloca bem no meio: os homens de cabelo grande e as mulheres de cabelo curto. É a sensação de estar tendo um pouquinho dos dois. Ele muda o rumo quando me encontra para passar por onde estou, ao que faço o mesmo. E ele já é feito de linhas.Quando eu escrevo alguém, já era. A pessoa vira, automaticamente, minha.Meu personagem cujo destino anda na ponta de meus dedos. Eu tive três noites e um ano de curso de verdade. Todo o resto, contruímos a separado.
- Por que nunca mais ficaram juntos? Quanto tempo faz?
- Dois anos.Talvez um pouco mais. Não, a gente não tem que ficar junto. Nós sabemos disso. Aquelas vezes, não eramos exatamente nós. Éramos seres do incosciente. Não mandamos em nada, só fizemos. Palavras depois. Nunca nos demos as mãos. Nos abraçamos apenas há pouco tempo. Não ia dar certo nunca. Nós dois somos o tipo de pessoa que não podem se relacionar com ninguém de igual. A gente precisa ser sempre maior ou menor. E nós dois...we have the same high. E ele tem medo de que eu me torne maior. Eu ainda tenho estrada pela frente, ele tem menos vida do que eu. Ele ficava puto porque a matéria dele, era uma das únicas partes da física de colégio que eu sabia, e que quando ele chegava (e ele sempre chegava) na minha mesa para me perguntar se eu precisava de ajuda, eu sempre dizia que não. Ou simplesmente não fazia nada.Era aquela atitude petulante que irritava, eu sei que ele tinha vontade de me pegar pelos cabelos e era isso mesmo o que eu queria. Ele fala seis idiomas, I´m on my way.
Eele não sabe caminhar entre as palavras, ele não sabe filosofia.
Se ele ensinasse mecânica, tudo seria muito diferente.
Ich liebe dich nicht. Ele entenderia, e isso doeria como a sensação que eu tinha que doeria uma dilatação. Eu quase conseguia sentir aquela não razão se diluindo no pensamento dele. Eu sou mulher, não deveria ser assim.
Mas sabe, ainda hoje, eu, assim, de vez em quando, tenho vontade de ligar para ele e tirar minhas dúvidas de astronomia. Mas penso que ele não é professor. Ele é engenheiro. Talvez nem saiba do que eu quero falar e pense em amor.
Pensando bem, a igualdade anda pendendo mais para um dos lados.