segunda-feira, junho 04, 2007

Crônica

Acabara de entrar na biblioteca e orocurava em sua carteira, a identificação. Cadê, cadê, CADÊ? Não estava lá. A carteira de identidade, era o jeito. mais uma olhadela na bolsa - nada.
(Onde é que ela foi parar, Mein Gott? Perdi de novo. Virou hábito, parece, ter minhas coisas espalhadas pela cidade. Mas quem é que perde a carteirinha da biblioteca? Tinha que ser...)
Armário número 23, tira de dentro da bolsa um bloquinho de anotações e o estojo, grande. Não ligando a mínima para o aviso que diz ser proibida a entrada portando estojos.
(Ainda mais o meu que, com essa tamanho, caberia facilmente uma página de livro arrancada, dobrada.)
Entra furtiva, como que carregando contrabando.
Tinha uma tarefa a cumprir: procurar num dicionário japonês a palavra "equilíbrio". Entra.
Logo ao lado, uma estante com vários títulos em japonês, uma ou outra legenda nas prateleiras, indicando os assuntos: antropologia, sociologia, direito, ciências políticas, literatura. Os caracteres, símbolos, letras, desenhos - quem sabe o nome que se dá àquilo - dançam. Nunca quiseram abrir-lhe seus segredos, continuavam segregadamente trancados.
(Qual deles será o dicionário? Não deveria haver uma palavra em português? Já sei, as prateleiras de dicionários.)
Havia já um homem, procurando alguma coisa. Só conseguia ver antes e depois dele.Aquele pedaço do meio, bloqueado.
(Não, nenhum dicionário japonês.)
Volta para a prateleira dos títulos em japonês que seguem ameaçando-na.
(Não é possível!)
Enquanto isso, o homem da prateleira dos dicionários vai embora e ela, chega bem a tempo de ver o livro que ele depositava de volta: um dicionário de japonês.
Pegou, sentou-se e, tendo encontrado o vocábulo desejado, prendeu a respiração: três definições diferentes.
(Qual a diferença? Será que japoneses tem equilíbrios?)
Copia a escolha obvia - a primeira - numa caligrafia mal feita de quem nunca foi obrigada a desenhar. Fecha o livro com uma certa frustração própria de quem tomou para si uma tarefa ingrata.
A bibliotecária, devolve-lhe não só sua identidade, mas a carteira perdida, também. Sai com um sorriso de algo que tenha dado certo.
Ao esperar seu café, uma mulher ao lado cantarolava a música que tocava no rádio: Índios. E seus olhares se cruzaram. A mulher, esperando a confirmação silenciosa do que diziam seus olhos. Aquela era a música, aquele era a música de sua vida. E se emocionava como se sentisse lágrimas ermergirem-lhe aos olhos.
"Quem me dera, ao menos uma vez,
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado."
(Meu amor, eu gostaria de pegar-lhe a mão, mas não consigo ser comoera aos meus dezesseis. E Não consigo achar que isso sou eu.E não consigo corresponder apesar de seu sorriso gentil. E não consigo sorrir de volta, apesar de te sentir em ternura imensa por ti, meu amor.)
Pega o café, sorri timidamente, vira as costas e não vai embora, parte.
" E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes."
Senta-se num banco do corredor, sozinha, espalhando-se para além de seus domínios e tamanhos. Rindo-se do grotesco: uma funcionária, gritando sozinha, na porta de um elevador: ONZE!

2 comentários:

Bruna Maria disse...

Como você sabe escrever!
É maravilhoso saber transformar aquilo que podria ser uma simples situação cotidiana em material artístico, literatura. Os sentidos se amplificam e é gostoso acompanhar os passos de quem está sendo narrado, juntamente com os pensamentos que completam as ações (e que, quem lê, acaba se reonhecendo um pouco no que está escrito).

Maravilhosa a crônica. Aquela intensidade ;)

Beijos!

Bruna Maria disse...

(Já dá pra ignorar que eu concordei com o relaxamento da escrita, rs)